Ser Humano é ser dependente.
Muito se fala em independência, nós somos criados para a independência. O pai fala para a mãe “pare de mimar essa criança pois assim ela jamais será independente”. Essa concepção de independência, que muito vem da metafísica ocidental liberal, é uma grande besteira, não somos independentes, nunca fomos e jamais seremos. Eu não estou aqui falando de que sempre iremos depender de outras pessoas humanas (não que isso também não seja verdade), nós dependemos o tempo todo de outros seres vivos que estão dentro de nós (o nós aqui é para meio de compreensão, mas não é o melhor termo). Somos a morada de milhares de bactérias, os cravos do nariz que são um tipo de ácaro, do filo dos artrópodes, as bactérias na flora intestinal, os fungos, como a Candida albicans que habita alguns órgãos do nosso corpo (nosso corpo pois é nosso e desses diversos outros que nos ajudam a nos compor). Tudo isso nos constituem, nos formam, não há indivíduo único, todos nós somos compostos por milhares de seres que coabitam nossos corpos, dividem nossos corpos, formam nossos corpos, nos afetam e nós os afetamos. O que seria de nós sem os micróbios que coabitam no nosso organismo?
Somos dependentes também dos animais que comemos, das plantas que comemos, das arvores que nos permitem respirar, do rio que corre a desaguar, do sol aparece todos os dias… Somos dependentes de todas essas coisas e de outras infinitas outras coisas, de um cuidado infinitesimal. Quero deixar claro que não estou botando em jogo as questões da linha de trabalho capitalista, pois essas mercadorias que são dependentes de nós e não o inverso, ainda que se esforcem muito para que pensamos que é o oposto. Não somos dependentes da linha de produção do Iphone, eles que dependem de nós. Não vou entrar na questão do mal que o garimpo utilizado para buscar os metais para produção destas tecnologias fazem mal para o planeta e para os povos que habitam nas redondezas. Pois apesar de escrever esta critica tenho ao meu lado (contanto com o notebook com qual escrevo este texto) 3 produtos derivados desta exploração ecocida. Depender do outro é quase que uma ofensa para os humanos de hoje, pois acreditamos realmente que podemos ser independentes.
Muito se pergunta sobre o que caracteriza o ser humano, o que nos diferencia dos animais, talvez o que caracteriza o ser humano (ser humano aqui é especificamente aquele que vive estruturado pela metafísica ocidental, exclui-se os povos marginais como indígenas, quilombolas…) é essa ânsia de ser independente. Temos vergonha de depender do outro, quando na verdade o cuidado tange todas as fases da vida humana, que também é outra coisa daquelas que pode ser “aquilo” que nos diferencia dos animais, o cuidado. Somos os animais que mais necessitam de cuidado. Um filhote humano é um dos filhotes mais dependentes dos outros seres da sua espécie, quando vamos crescendo, vamos ficando menos dependente, entretanto, depois que envelhecemos vamos precisando de mais cuidado. Cuidar e ser cuidado, é uma tarefa de responsabilidade animal (Uso a palavra animal pois não somos os únicos que cuidam do outro).
Meu objetivo com esse pequeno texto é de tentar demonstrar como a dependência do outro não é algo negativo, mas algo essencial. Enquanto eu escrevo isso e enquanto você lê, há diversos seres dentro e fora de nós nos mantendo vivos, há diversos mundo dentro de nós coabitando o mesmo corpo que nós, coexistindo conosco, sendo afetado da mesma forma que nós em algumas ocasiões. Fecho o texto com algumas provocações que acredito que sejam pertinentes para agora, precisamos voltar a pensar que cuidar e ser cuidado é algo que essencial para o bem viver, tratar os seres que coabitam o mundo e o nosso corpo de forma mais responsável, aceitar a dependência dos outros seres é essencial para aceitar a nossa condição enquanto ser vivo. “Ninguém pode viver independentemente aqui. Isso é co-dependência pra valer!” (Donna Haraway, ver em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/viewFile/23252/17015;).