Nos últimos anos, tenho desenvolvido uma certa anglofobia, observando o efeito do domínio cultural da língua inglesa tanto na minha mente, quanto no mundo.

A maior parte do que eu leio e assisto e ouço está em inglês. Também escrevo um bocado em inglês. Daí muitas vezes me pego pensando em inglês, e tenho raiva. Eu quero pensar em português! Cáspita! Tenho o tempo todo impulsos de usar expressões em inglês – o equivalente em português quase sempre existe, mas não é o que me vem primeiro, e às vezes me foge completamente. Não sou purista, veja bem. Acho uma grande bestagem dos portugueses, de falar rato em vez de mouse. Os americanos batizaram o mouse de mouse porque eles tinham inventado um negócio e precisavam dar um nome pra ele, mas, uma vez que ele tem um nome, esse é o nome dele. Um mouse não é um rato! Palavras gringas têm o seu lugar. O que eu vejo é muito mais grave, é um apagamento da língua materna.

O uso de expressões em inglês é pelo menos um tipo de enxerto honesto, às claras. Pior é quando há palavras parecidas, mas com sentidos diferentes, em inglês e português, e o sentido de lá começa a vazar pra cá. Eu vejo meus amigos dizendo assumir com o sentido de pressupor, realizar com o sentido de dar-se conta. Isso não é português! Nunca foi! Essa infiltração subcutânea é pior, porque passa despercebida.

“Mas o inglês não vai apagar o português, não seja bobo.” Não de uma vez. Não neste século. Mas não se pode negar que está acontecendo, em certa medida. Quer ver casos mais graves? Algumas universidades holandesas só dão cursos em inglês. As pessoas não vão deixar de falar holandês em casa, claro. Mas aí aparecem cada vez mais gringos que só falam inglês, e a vida cotidiana de cada vez mais gente tem que incorporar essa língua cada vez mais. Quem sabe onde isso vai parar daqui a algumas centenas de anos?

Vejo gente que deixa de escrever, fazer vídeos, jogos, o que quer que seja, na própria língua, pra fazer isso em inglês. Eu entendo. Às vezes a melhor escolha, às vezes necessário mesmo. Mas muitas vezes também neguinho fala um inglês estranho pra competir num mercado saturado.

Se por um lado a pessoa se empodera ao usar o inglês, olhem por outro lado: o inglês se empodera também, ganha cada vez mais força – ouso dizer, mais domínio sobre as pessoas, desalojando aos poucos a língua nativa, e, junto, a cultura. Quem sabe até o jeito de pensar, se considerarmos a hipótese de Sapir-Whorf.

Como diria Renato, “a gente tá no Brasil, a gente tem que cantar em português (mas o Sepultura é muito bom)”.

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