“Parece que o melhor seria largar todas as redes sociais pq só bad atrás de bad”

Não consegui responder de maneira satisfatória num tweet, então vim pro blog.

Uma coisa que acho que a gente não observa muito é o modo como o meio de comunicação afeta a comunicação. O Twitter promove toxicidade de várias maneiras diferentes.

O primeiro é que ele promove a má qualidade das mensagens. Tudo tem que ser o mais sucinto possível, ou então ficar picotado e espalhado entre mensagens diferentes. Então mesmo quando a comunicação é bem intencionada, se torna fragmentada, comprimida, elíptica. Quem escreve fica frustrado e desconta no interlocutor. Quem lê sente a animosidade e/ou acha que o outro é burro. Tudo vira hostilidade.

A comunicação no Twitter pressupõe imediatismo. A forma como o Twitter estrutura a comunicação promove a impulsividade de um jeito que a gente nem percebe. Só quem toma consciência disso e luta ativamente contra é que se protege dessa armadilha. E o imediatismo associado à má qualidade só amplifica o desastre dos dois.

O Twitter funciona principalmente como um monte de pequenos palcos. Até aí, nada demais. Mas não há quase barreira nenhuma pra interação. Combinando com a impulsividade e mensagens truncadas, já não dá bom. Isso quando uma resposta é só uma resposta. Mas muitas vezes a interação não toma forma de resposta, mas de um comentário cínico sobre o tweet de outro, direcionada não ao outro, mas à própria platéia. E tudo sujeito a retweets e likes – é uma competição de popularidade. Aqui é preciso olhar com atenção, porque são muitos elementos que não seriam ruins – o palco pessoal, a resposta, a citação – mas se tornam cínicos, tóxicos, no contexto do microblog convulsivo.

Mas não é só isso! Tem todo o esquema de “promover engajamento”. O Twitter quer manter você grudado nele, e por isso chama a sua atenção pra coisas que chamam a atenção. Coisas que você não buscaria, mas é difícil não olhar quando alguém coloca na sua frente. Frequentemente isso significa coisas chocantes, ultrajantes. Pode ser algo que aparece nos Trending Topics, ou algo que o algoritmo joga no seu feed. E mesmo que você consiga esconder os TTs e desligar o algoritmo de recomendação do Twitter, seus amigos e perfis que você segue podem levar isso tudo até você de qualquer jeito.

Todas essas questões estruturais promovem certos comportamentos, e esses comportamentos viram uma cultura, que se reproduz por conta própria.

Daí tem gente que é arrastada pro meio de guerras de popularidade pra ver quem grita mais alto. Tem gente que se vê obrigada a usar o Twitter pra acompanhar fulano e ciclano, e fica angustiada. Tem gente que gosta mesmo de dedo no cu e gritaria e acha o Twitter ótimo.

Veja bem, a bad existe. Coisas ruins acontecem. Mas a mídia pode dar um tamanho maior pra essas coisas. É uma ilusão, mas ao mesmo tempo é real. Não só aquilo fica mais visível, ampliado por uma lente, mas fica maior no coração das pessoas também.

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Mas então o quê? As pessoas precisam se comunicar!

Muita gente que gostava do Twitter, mas ficou de saco cheio, mudou pro Mastodon. É bem melhor em muitos aspectos. É mais parecido com um Twitter raíz, pré-algoritmos, mas com um limite de caracteres tipicamente maior. Mas ainda pode promover comunicação débil e imediatista, e talvez carregar alguma cultura tuiteira. Tem muitas outras diferenças que seria importante ponderar, mas não cabe aqui. Até porque eu não uso e não recomendo.

Pra mim o ideal são blogs e RSS.

No seu blog, você não tem limite de caracteres. Pode escrever bem. Pode parar pra pensar. Pode perceber que nem precisa comentar determinado assunto, bater palma pra maluco dançar.

Nem precisa colocar caixa de comentários – se fulano tiver algo de relevante pra dizer, ele pode fazer o mínimo de esforço e te mandar um e-mail. Caixas de comentários podem dar uma impressão de que é um espaço público, um palquinho do qual a pessoa pode se apropriar. Mandar um e-mail é algo mais pessoal, você sabe que tá conversando com uma pessoa. As respostas vão ser mais ponderadas do que o que você vai ter no Twitter. Se você receber algo que valha a pena compartilhar, pode fazê-lo num post novo.

Existem serviços de blog gratuitos e decentes, como a hospedagem Wordpress oferecida por muitos dos CHATONS. Se isso não lhe parecer conveniente, e se você acha tolerável a perda de privacidade típica das redes sociais, pode até usar o serviço do Wordpress.com. Porra, até o Blogspot! (não, faz isso não, Blogspot é ruinzinho, e é da Google)

(Vou salientar aqui que existe a tecnologia Wordpress, representada pelo Wordpress.org, e o serviço de hospedagem do Wordpress.com. Muitos serviços oferecem a tecnologia Wordpress. O Wordpress.com é só um serviço específico.)

(Este blog que você está lendo agora é hospedado por um CHATON, mas não é Wordpress. É Write. Não sei se recomendo o Write. O Wordpress pode ser muito cheio de coisinha, mas é razoavelmente intuitivo e oferece as funções que as pessoas querem. O Write é limitado sem ser realmente simples. Se você quer algo mais elegante e “mão na massa”, uma cápsula Gemini talvez fosse o ideal.)

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E o outro lado da moeda é: como que você vai acompanhar os blogs dos outros? Tem que olhar cada blog e site periodicamente?

Às vezes eu acho que a gente aqui no Burajiru não pegou a Era de Ouro da Internet, e a gente não tem certas referências. Como o RSS.

Existe um negócio chamado feed RSS. É uma tecnologia já antiga da Web, que foi feita justamente pra você poder acompanhar as novidades de sites e blogs. Aqui parece que é pouco conhecida, e mesmo na gringa é démodé. Pode parecer uma tecnologia abandonada, mas isso não é bem verdade. Só meia verdade. A maioria dos sites oferece feeds, mas poucos divulgam. A maioria fica escondido e você tem que saber achar. E você tem que achar um leitor de feeds que te agrade, o que não tá tão fácil. É um pouco mais complicado do que clicar num botão “follow” numa rede social X.

Primeiro, tem que ter um leitor de feeds. As opções são, ao mesmo tempo, limitadas e diversas. Eu uso o Akregator. Ele me dá bastante liberdade na configuração e organização, e ao mesmo tempo a interface é simples e intuitiva. Mas ele tem uns bugs, é desnecessariamente pesado (porque é do KDE), e só tem pra Linux, então não posso recomendar pra maioria dos meus amigos. Testei algumas opções multiplataforma, mas até o momento não tem nenhuma que eu sinta que possa recomendar pra geral.

Tem gente que vai querer poder acessar sua coleção de feeds de mais de um aparelho, e isso geralmente implica usar um serviço de terceiros, o que implica alguma perda de privacidade. Esse tipo de cliente Web parece ser mais popular – provavelmente mais pelo zeitgeist do que por serem melhores ou mais úteis – mas pra mim não interessa, então desconheço. Já vi recomendarem uma extensão do Firefox, que a própria Mozilla recomenda, inclusive, o Feedbroo, mas é proprietária, e eu broxo.

(Vale a pena abrir um parêntesis aqui: o RSS tem mais de uma versão, e tem também o Atom, que é um padrão de feeds que veio depois, e às vezes a gente mistura e chama tudo de RSS, mas às vezes não. Nada disso importa pro usuário. Qualquer leitor de feeds lê todos os tipos de RSS e Atom.)

Mas vamos lá, vamos supor que você achou um leitor de RSS que te agrade. Yay! Você quer receber as atualizações de blogs e sites de notícias. O feed vem na forma de um endereço, uma URL, que você copia e cola no seu leitor. Alguns sites fazem questão de divulgar, basta você procurar na página pelas palavras-chave “feed”, “RSS” ou “atualizações”, coisa assim. Às vezes eles usam um ícone laranja com um desenho de um pontinho e duas linhas curvas pra indicar o feed, mas às vezes símbolos parecidos são usados pra outras coisas. Se você não achar, não quer dizer que não tenha.

A maioria dos sites é feita com Wordpress, hoje em dia, e tem feeds. É só você adicionar “/feed” ao nome do site, que ele te dá um feed de todas os posts novos. Se o site ou blog é dividido em categorias, você pode abrir a página da categoria que quiser, adicionar “/feed”, e receber um feed só daquela categoria.

Blogs do Blogspot (eca) te dão um feed se você adicionar “/feeds/posts/default” ao endereço.

Toda página do tumblr te dá um feed se você adicionar “/rss” ao endereço.

Perfis do Mastodon te dão um feed se você adicionar “.rss” ao endereço (acredito que isso seja universal). Os feeds RSS do Mastodon são ruins, mas existem, o que já é alguma coisa.

Até canais do YouTube geram feeds! É só você copiar o endereço e colar no seu leitor, que ele acha o feed pra você. No Akregator pelo menos é assim que funciona. Também tem como pegar feeds de playlists do YT, mas é mais complicado e não funciona tão bem. Feeds de playlists do youtube só te dão os 15 itens do topo da lista, então só funciona se a playlist for bem curta, ou se os vídeos mais novos forem adicionados ao topo da lista (me parece que adicionar ao fim da lista é mais comum). Você tem que achar o código de identificação da lista, que é uma sequência de números e letras na URL. Exemplos:

https://www.youtube.com/playlist?list=CódigoDeIdentificaçãoDaPlaylist
https://www.youtube.com/watch?v=CódigoDeIdentificaçãoDoVídeo&list=CódigoDeIdentificaçãoDaPlaylist&index=1

Aí você copia o código da lista e cola no lugar correspondente nesse endereço:

https://www.youtube.com/feeds/videos.xml?playlist_id=CódigoDeIdentificaçãoDaPlaylist

E voilà!

Se tudo isso falhar, olhe o código-fonte da página. Procure por “feed”, “rss”, ou “atom”, talvez até “.xml”. Às vezes só assim pra achar o feed.

E claro, tem página que não tem feed. Paciência.

E cada feed é diferente. Alguns feeds te dão todo o texto do post. Alguns te dão só um parágrafo, e um link pra página com o texto completo. Alguns são só o link. Alguns feeds te oferecem só os posts mais recentes, uns 10, 15, 20. Alguns te dão todo o histórico do blog. Alguns blogs são atualizados só de vez em quando, enquanto que sites de notícias costumam publicar várias todo dia.

Se você quiser manter as coisas simples, pode atualizar todos os feeds uma vez por dia. Mas eu gosto de otimizar. Eu divido os feeds em pastas diferentes. Algumas coisas que eu acho mais importantes eu configuro pra atualizar automática e periodicamente, mais ou menos de acordo com a frequência de publicação. Outras, menos importantes, eu atualizo manualmente, de vez em quando, e configuro pra manter só um número pequeno de posts mais recentes. É um empoderamento que nenhuma rede social me oferece.

Como eu disse, você pode manter as coisas simples. Dependendo do seu leitor RSS, talvez você nem tenha tanta liberdade de configuração. Mas eu me preocupo que atualizar certos feeds diariamente pode ser dispendioso. O site do Drew DeVault, por exemplo. O feed dele contém basicamente TODO O SITE, e pesa alguns mega, que eu baixo alguns toda vez que atualizo o feed. Tudo bem que algumas páginas da Web pesam isso, mas não havendo necessidade, prefiro não abusar. Ou então tem sites de notícias que... caralho, eu não vou ler todas essas notícias. Também acho interessante não atualizar com tanta frequência. Mas isso é uma coisa que você pode ir vendo, ir ajustando.

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Ahm, às vezes o buraco é mais embaixo. Eu passei algumas horas sentado escrevendo este post. Às vezes a pessoa só quer comentar alguma coisa, desabafar, compartilhar algo sem elaborar muito, responder algo que um amigo publicou, rapidão. E aí um microblog como Twitter ou Mastodon pode acabar servindo melhor. Eu às vezes sinto a tentação de ter uma conta de Mastodon em paralelo com o blog, só pras coisas mais bobas e fugazes. Coisas que eu sinto que ficam meio deslocadas no blog. Não sei.

E às vezes também a gente não quer ler um textão, só quer sei lá, ver o que tá rolando, o que os amigos tão aprontando, ver memes, gifs de gatinhos. Aí complica, porque essa é a hora em que a gente tá vulnerável. A hora que a gente tá cansado, a cognição tá baixa, e a gente não sabe lidar bem com as coisas. Nem sempre o que a rede social típica vai te oferecer é algo pequeno e de fácil digestão. Nem sempre vai ser algo agradável.

Algo que tem funcionado mais ou menos pra mim é manter uma pasta no meu leitor de feeds chamada “Feel good”. Essa pasta tem poucos feeds, mas são feeds que eu sei que vão ser bons quando eu estiver cansado, querendo dar uma risada. É melhor do que confiar que essa ou aquela torrente de informação vai me fazer bem.