Começou a rodada final de votação da competição de melhor abstrato no BGG.

Dos jogos que mencionei anteriormente, se classificaram Tumbleweed e Slyde, de Michał Zapała. O primeiro é o queridinho, e provavelmente vai ganhar. O segundo ia mal, mas conseguiu dar um turbo perto do final. Os dois me parecem ok.

Outro designer que teve dois jogos classificados foi o (também membro da comunidade) Alek Erickson, e os dois são variações sobre temas não tão comuns. Trike parece bastante inspirado por Veletas (que por sua vez parece um Amazonas virado do avesso). Michał diz que Trike faz menos com mais, mas não estou convencido. Veletas ainda me parece melhor.

O outro jogo de Alek é Bide. Esse sim pegou um gênero sem grande relevância (jogos de magnetismo) e adicionou a possibilidade de você acumular jogadas e jogar tudo de uma vez depois. É um gênero meio gimmicky, e de tempos em tempos alguém inventa, de forma independente, algo assim, e sempre muito parecido. Nunca sai um grande jogo de estratégia, o que parece ser uma limitação do gênero, então Alek fez bem em aumentar a zuera e a tática.

Falando em jogos magnéticos, Gekitai é um deles, que segue bem a tradição de não ser muito diferente dos outros, nem muito impressionante – como eu disse, o gênero é mais uma curiosidade do que qualquer outra coisa. Esse jogo foi razoavelmente bem recebido pela comunidade, mas chegou à posição de segundo jogo mais votado com o apoio de muitas contas aparentemente falsas.

Mitsudomoe é um jogo de travessia com saltos – da família do Halma, portanto – mas é possível saltar sobre várias peças de uma vez, e só se dá um salto por turno. O agravante é um aspecto econômico – para se mover, você precisa colocar um anel na casa alvo antes. Anéis podem ser empilhados, enterrando os do oponente. Sem anéis, você perde. Mas não sei dizer se esse recurso limitado realmente impacta o jogo, ou se é só outra gimmick: as peças são bolinhas de gude, e precisam se apoiar em anéis.

KuniUmi é um que me pareceu meio raso. Cada jogador controla um peão, que tem grande liberdade de movimento, e, toda vez que se move, deixa uma pedrinha no lugar de onde saiu. Daí pra frente ele é um mini Go, no qual você quer obrigar seu oponente a capturar um grupo seu, mas a liberdade de movimento é tanta que o começo e meio de jogo não têm qualquer relevância. Mas um membro da comunidade disse que é bacana, e ele recebeu votos de gente responsa, então sei lá.

Raft & Scupper é um design bem interessante, que só entrou na competição graças a uma ampla política de tolerância (discussão aqui). O tabuleiro é composto de vários tiles conectados, com o desenho de um círculo ou quadrado numa cor clara ou escura. A cada jogador correspondem uma cor e uma forma. O jogador tem dois peões, que podem, num turno, se mover livremente por todo um grupo de peças da cor OU da forma geométrica correspondente. Também é possível velejar com um tile, mudando sua posição (raft), ou destruir um tile (scupper). O objetivo é unificar todos tiles de sua cor ou forma. O setup é bem trabalhoso, a ponto de ser chato. Essa edição é bem suja visualmente, o que dificultaria bastante ver as jogadas, mas o problema não é o jogo em si. Veja a versão original, como é legível. As regras são as mesmas.

Mattock, que antes atendia pelo nome muito melhor de Las Médulas, tem uma temática de mineração. As peças cavam corredores na montanha, por onde se movem. Se duas peças de um jogador têm um caminho aberto pra uma peça do oponente, essa peça é capturada. Ela pode ser reposicionada depois, mas não em qualquer lugar. Você não pode criar cavernas grandes, o que causaria um desmoronamento. Acaba sendo um jogo no qual você tenta comprimir o território do oponente, obrigando-o a fazer uma escavação ilegal. E o formato da escavação tem um impacto tático, já que você pode criar certas formações para prevenir que o seu oponente crie outras. É um jogo muito original, que foi muito bem recebido pela comunidade. Tem até alguma chance de ganhar!

Furl é um que não fez alarde, mas impressionou geral quando foi indicado. É um daqueles jogos tão simples e orgânicos, uma combinação de idéias tão comuns, que já deveria ter sido inventado. O objetivo é de travessia, e você pode empilhar uma linha de peças avulsas, ou desempilhar uma pilha de peças, possìvelmente capturando uma peça ou pilha inimiga na última posição. Só isso. E parece riquíssimo.

Furl e Mattock são meus preferidos no momento, mas teve vários bem interessantes que eu queria que tivessem passado pra final. O que mais se destacou pra mim foi Dohyō, que a princípio lembra Abalone, mas as peças, quando não estão empurrando, se movem fazendo um pivô sobre outras. É um tipo de movimento bastante inexplorado, que pode até ter longo alcance, de certo modo, mas restrito e enriquecido por depender de peças adjacentes, amigas ou inimigas. Ele lida com o problema da defensividade exagerada do Abalone tornando certas jogadas obrigatórias, que é outra coisa que me gusta mucho.

Outro que merece uma menção honrosa é Throngs, um jogo territorial em que, para posicionar ou mover peças, é necessário um número de pontos que depende no número de peças amigas/inimigas adjacentes (amigas ajudam, inimigas atrapalham). Há uma tensão interessante entre distribuir sua influência logo, ou concentrá-la para poder catapultar peças depois. A mobilidade de uma peça com muitos pontos numa área livre é grande, mas pular sobre outras peças é mais restrito, o que traz boas implicações táticas, podendo um posicionamento chave bloquear um movimento chave. O formato estranho do tabuleiro não é só estético, mas cumpre uma função, evitando que as peças ganhem segurança com grande facilidade nas bordas – é o mestre da topologia, Dale Walton! Outra solução seria a variante de jogar num tabuleiro toroidal. Hexagonal. Toroidal hexagonal. Infelizmente não sou um ser da quinta dimensão, então não consego. Mas divago. É um jogo difícil de descrever por escrito, e talvez isso tenha pesado contra. Recebeu muito menos votos do que eu esperava.

Eu mesmo não vou ter tempo/energia pra testar os jogos e votar, mas convido meus queridos leitores a fazê-lo. Diferente do que eu tinha previsto, todos os jogos podem ser jogados contra uma inteligência artificial usando o Ai Ai.


Como comentei no post anterior, a nestorgames teve alguns problemas com matéria-prima, e deixou de produzir alguns jogos. O Furl tinha acabado de ser lançado, e ficou à venda por uma semana, só! Mas, se me permitem, gostaria de fazer um aparte fofoqueiro especulatório.

Néstor disse que o material tipo mousepad que ele usava para a maioria dos tabuleiros estava em falta, e que ele resolveu aproveitar pra simplificar o catálogo – eram jogos demais! – deixando de produzir todos esses jogos. No momento, o site está sendo reconstruído, mas, da última vez que eu vi, só estavam à venda jogos com tiles e os poucos que usam tabuleiros de um material diferente.

Mas eu acho que teve também um outro motivo. Já vi muitas críticas de que os jogos eram muito caros, e as peças e o tabuleiro muito pequenos. Os jogos com tabuleiros são tìpicamente os mais fáceis de improvisar com material genérico. Se livrando dos tabuleiros pequenos (ele usava um tamanho padrão), Néstor pode produzir peças num tamanho ideal, e só os jogos cujo preço se justifica. Ah, mas o modelo de negócios dele é sob demanda, ele não perde nada mantendo aqueles jogos no catálogo. Perde sim, perde a atenção do consumidor, direciona o consumidor para longe! Eu acho é justo.


Ufa!

Esse post deu trabalho, mas não sei se fiquei feliz. Me sinto meio fútil dizendo qual é a impressão que eu tenho dos jogos, só de ler as regras, sem ter jogado de fato. Tudo bem que é exatamente isso que o querido Crazy Adam faz, e eu acho lindo, mas é um pouco diferente, acho. O foco é outro, e ele ainda faz um trabalho mais profundo.

Ano passado eu fiz algo parecido no Twitter (eca), mas eu pelo menos tinha jogado! Acho que na próxima vou me limitar a anunciar a competição.

EDIT: Outra coisa que me incomoda, e pretendo evitar, é escrever sob pressão. Eu queria terminar este post o mais cedo possível, pras pessoas terem mais tempo de avaliar os jogos e votar. Mas é melhor pra minha organização e pra qualidade do texto se não for nada tão urgente.

#JogosAnalógicos