Nunca gostei do Facebook. Usei por anos, por pressão social, e continuei odiando. Finalmente deletei, foi uma delícia, nunca fez falta.
Eu pessoalmente acho que o Facebook foi uma das piores coisas que já aconteceram com a internet. É um câncer que está matando a web. Mas isso tá ligado a valores pessoais, que eu sei que nem todo mundo compartilha. Aí você tem documentários sobre o Facebook, denunciando a manipulação e o tráfico de dados. Também é uma questão de valores pessoais – todo mundo se sente imune à manipulação, e tem gente que não se incomoda, por princípio, com a perda de privacidade, e às vezes até GOSTA de publicidade direcionada.
Agora, meus amigos, vocês têm um motivo irrefutável pra boicotarem o Facebook.
Em 2017, a plataforma foi usada pra promover um genocídio em Myanmar, inclusive com publicidade paga. O Facebook pediu desculpas e disse que ia melhorar seus filtros. Agora, em 2022, uma organização de direitos humanos fez um teste, e viu que era ainda possível fazer anúncios genocidas. Na verdade, a organização conseguiu comprar anúncios com os mesmíssimos títulos que tinham sido usados em 2017. Coisa do tipo “temos que matar mais”.
Uma coisa é os filtros terem dificuldade em filtrar títulos parecidos. Outra coisa é simplesmente não filtrar o mínimo que se espera que filtrasse.
Facebook's genocide filters are really, really bad
Não importa se é incompetência, ou conivência (publicidade política maligna dá dinheiro). Usar o Facebook significa financiar genocídios.
Se você usa o Facebook, em qualquer medida, você financia genocídios.
Mas então, o que fazer? Quais são as alternativas?
A opção mais simples é voltar às tecnologias clássicas da web. Isso mesmo, o bom e velho blog! Pras páginas não pessoais (como lojas, restaurantes, todo tipo de organização), não tem coisa melhor que um blog bem categorizadinho. Pra páginas pessoais, um blog largadão quebra um galho. E sei que é possível fazer blogs privados... mas eu mesmo nunca fiz, teria que ver isso aí.
“Ain, mas é tão conveniente seguir as páginas e pessoas do Facebook.” Pode ser. Mas o Facebook não inventou isso de seguir, não. Antes dele a gente já tinha uma tecnologia, que praticamente todo site usava, que fazia a mesma coisa. E olha só! A maioria dos sites AINDA USA essa tecnologia (mas muitas vezes fica meio escondidinha). É o chamado RSS.
Não sei por que, mas parece que o RSS nunca “pegou” no Brasil. Acho que a gente não tinha muito acesso durante a era de ouro da Web, quando isso era mais usado. Mas basicamente, é um padrão de comunicação, um protocolo. Você tem um programinha no seu computador, um leitor de RSS, e tem um link no site que você quer seguir. Você copia e cola no seu leitor, e agora você recebe todas as atualizações do site ou da página, dentro do seu leitor. Voilà!
Preciso comentar en passant que existem versões diferentes de RSS, e tem também o Atom, que é mais recente e faz mais ou menos a mesma coisa, e as pessoas ainda também chamam o Atom de RSS... mas você como usuário não precisa saber de nada disso! É só colar o feed no seu leitor, e ele lê.
Tudo tem RSS. Youtube? Tem. Tumblr? Tem. Qualquer site feito com Wordpress (ou seja, a maioria dos sites)? Tem, inclusive tem múltiplos se o site for bem categorizado, pra você escolher só o que quer ler. Sei lá, cara, quase tudo tem um RSS escondido. Meio chato isso de esconderem, né? Mas tudo dá pra achar. E quem sabe se o RSS voltar à moda, ele não passa a ganhar mais destaque.
Mas ok, talvez o combo blogs+RSS não atenda ao seu desejo por curtidas, seguidores, compartilhamentos. Também existem redes sociais livres e federadas. Livre significa que usa software livre. Federado significa que é, em certa medida, decentralizado, e você pode ter uma conta em um site, e se comunicar com gente que tem conta em outro site – como o bom e velho e-mail. Tanto a liberdade e a federação são importantes pra evitar justamente a concentração de poder que cria os Facebooks da vida.
O problema da liberdade é que ela gera diversidade, e diversidade gera complexidade. Não é que as ferramentas livres e protocolos abertos sejam mais complicados, mas é que você tem muitas opções. Deus me livre de ter opções! A federação também complica. Você vai fazer a conta em qual servidor? Quais são os termos de uso? Será que eu posso confiar nesses caras?
Eu mesmo não explorei tão a fundo a questão das redes sociais. Na época em que eu me interessava, a coisa ainda era meio bagunça. Hoje em dia, falo com segurança, a coisa evoluiu MUITO! De um lado, você tem o Diaspora, que é talvez a rede social livre e federada mais antiga, que veio com a intenção de substituir o Facebook. De outro lado, tem um movimento mais recente pela criação de um protocolo comum que possa ser usado por redes diferentes, o ActivityPub. Isso significa que alguém que tenha conta num servidor de Mastodon (que lembra o Twitter) pode seguir e se comunicar com alguém que tem uma conta num servidor de PixelFed (que lembra Instagram). Qual é o nível de compatibilidade? Não sei! Complicações!
É perfeitamente compreensível que você não se sinta capaz de romper com o Facebook de uma vez. O primeiro passo é começar a considerar as alternativas. Quando você achar algo que te agrade, explique a situação pra alguns amigos, tente trazê-los pro seu lado. Um a um. Não tem outro jeito. Gandhi andava de aldeia em aldeia conversando com o povo sobre resistência pacífica, desobediência civil, saneamento, tolerância religiosa... Não tem como você esperar que haja um levante, que haja uma onda que leve todos os seus amigos pra outro lugar, e você vá junto. Você tem que começar e dar o exemplo.
Mas tem mais. Instagram também é do Facebook, também tem que boicotar. E também – oh não! – o WhatsApp!
Não que eu ache desagradável boicotar o WhatsApp, mas a dependência aí é muito mais forte. Eu mesmo não vou conseguir fazer isso de uma vez só.
Primeiro passo, estudar melhor a treta de Myanmar, a participação do Facebook, e o modelo de negócios do Facebook. Preciso ter tudo na ponta da língua pra poder me explicar pros outros.
O segundo e terceiro passos que pretendo dar não são estritamente necessários, e provavelmente não vão ser úteis, mas eu acho importantes.
Segundo: fazer uma conta XMPP. O XMPP é o e-mail do chats, é antigo e continua firme e forte, apesar de minoritário. No começo, sofria de grande fragmentação (era moda no começo dos anos 2000 criar formatos e protocolos abertos e eXtensíveis, e ninguém implementa todas as extensões). Hoje em dia existe um certo padrão básico, e é fácil achar um servidor que o siga. Ainda é difícil achar clientes que façam tudo, mas muitos fazem quase tudo, e clientes web são uma opção conveniente pra quem não quer ter que pensar nisso.
Terceiro: aprender a usar PGP, pra ter criptografia ponta-a-ponta no e-mail.
Não me iludo; sei que não vou convencer outras pessoas a usar XMPP ou PGP. Mas essa é claramente pra mim a melhor opção, e eu preciso acender esse farol.
Vou acabar usando Telegram e/ou e-mail sem PGP. O Telegram me obriga a escolher entre privacidade e conveniência. E-mail sem PGP é o pior em termos de privacidade, e tem ganhos e perdas em relação à conveniência. Mas não sinto que a perda seja grande, comparando com a privacidade e conveniência medíocres do WhatsApp.